Escrevendo histórias cheias de contextualização política e social e
referências culturais adultas, Moore criou uma série de histórias e heróis inesquecíveis
que, invariavelmente, tocavam em um assunto no mínimo curioso (e de
conseqüências devastadoras dentro e fora das HQs): o que aconteceria se os
heróis existissem de verdade. A moda dos heróis mais humanizados, que sentiam
remorso, choravam e tinham até de fazer a barba, já não era uma novidade nos
quadrinhos desde os anos 60. As histórias de Alan Moore, no entanto, não
falavam de heróis humanizados e sim de super-heróis convivendo – em alguns
casos, apenas tentando sobreviver – no “mundo real” dos humanos.
Moore começou sua carreira tentando ser desenhista, no final dos nos 70, com
uma tira chamada Maxwell, the Magic Cat, publicada no jornal de sua cidade
natal (e na qual mora até hoje), Northampton. Com “dotes artísticos duvidosos”
(segundo ele mesmo) e trabalhando sem receber, Moore logo desistiu da tira, mas
acabou entrando na divisão inglesa da editora Marvel após ter alguns de seus
roteiros analisados.A partir de então, começou a escrever histórias para a
revista de ficção científica 2000 AD e para o semanário Doctor Who. O Milagre
(literalmente) aconteceu no início dos anos 80, quando o autor escreveu para a
revista Warrior a série Marvelman, que logo a seguir, em 1985, foi publicada
nos Estados Unidos com o nome de Miracleman, ou Homem do Milagre.
Em Miracleman, Moore pegou um elenco ingênuo de personagens baseados na
família Marvel (o “Shazam”) dos anos 50 e os jogou em um mundo sombrio e
realisticamente corrompido. Na série (que chegou a ter três números publicados
no Brasil pela extinta editora Tannos, em 1989), o autor mostrou o que acontece
quando um herói bom, de poderes quase divinos, se depara com a crueldade do
mundo real e, ainda, o que acontece quando o dono de superpoderes é apenas um
típico adolescente confuso e em crescimento.
A revista estourou nos Estados Unidos e a Marvel americana resolveu chamar o
inglês para escrever um de seus grandes títulos, o Monstro do Pântano, cujas
vendas estavam caindo. “Eu havia mostrado que podia escrever quadrinhos de
super-herói de um jeito que ninguém sabia. E como as vendas do Monstro estavam
caindo, tive o terreno perfeito para pisar e fazer o que eu quisesse. O
personagem já estava ruim e não havia nenhuma pressão, afinal eu não poderia
estragar coisa alguma.”
Moore acabou revitalizando o Monstro do Pântano (que se parece com a barba
de Alan, dizem as más línguas). Primeiro, encaixou nas histórias lobisomens,
vampiros e uma série de espíritos furiosos. Depois começou a trabalhar mais a
fundo os aspectos emocionais e psicológicos da criatura que, até então se
pensava, era um homem transformado em planta. Moore mudou a história, encantou
os fãs e deu novos rumos ao personagem com a revelação de que, na verdade,
tratava-se de uma planta que pensava um dia ter sido homem.
Heróis de verdade
O sucesso com o Monstro do Pântano deu oportunidade a Moore para trabalhar
com os super-heróis de primeiro time e ele foi chamado pela DC Comics,
concorrente da Marvel. Nesta época, produziu roteiros para a revista do
Super-Homem, nos quais a temática do herói no mundo de verdade começou a voltar
à tona. Em uma delas, “O que aconteceu com o homem-de-aço?”, fez com que o
Super-Homem tivesse sua identidade revelada, o que acabou gerando uma caça aos
amigos do herói (Lana Lang e Jimmy Olsen morrem na HQ) e sua aposentadoria
precoce por trás de uma falsa morte. A HQ, com desenhos de Dave Gibbons, só não
causou mais impacto porque foi publicado no selo “Else Worlds”, ou seja, uma
história do tipo “o que aconteceria se”, fora da cronologia oficial do herói.
Pouco depois, no entanto, Moore pegou pesado com a história Batman: a Piada
Mortal, essa sim publicada como parte “oficial” da hitória do personagem (no
Brasil, lançada pela Abril em 1988 e relançada no ano passado). Na HQ,
desenhada por Brian Bolland, o autor faz com que o Coringa sequestre o
comissário Gordon e o torture, em uma tentativa de mostrar que qualquer um pode
ser tão louco quanto ele se tiver “a motivação certa”.
O mundo real entra com tudo na cena em que o Coringa, ao invadir a casa do
Comissário Gordon, atira na filha do policial, Bárbara, e a deixa aleijada da
cintura para baixo (a personagem permanece até hoje nestas condições). Além
disso, o Coringa fotografa a ex-batgirl sem roupas e sangrando, e exibe as
fotos para Gordon. Mais uma vez, estouro de vendas.
Watchmen
Mas a consagração de Moore – e dos quadrinhos como leitura adulta – veio com
a macrossérie Watchmen (transformada em filme em 2009), desenhada por Dave
Gibbons e lançada no Brasil em 1988.
A série começa com o surgimento de um grupo de
super-heróis, ainda no governo Nixon. Com a ajuda deles, os Estados Unidos
vencem facilmente os confrontos com Coréia e Vietnan. Mas o mundo começa a
temer os super-seres, a polícia reclama que eles estão tomando o seu lugar e os
governos decidem então, regulamentar o trabalho – Watchmen, ou vigias, é uma
refrência uma frase de alerta do povo contra os super-heróis: quem irá vigiar
os vigias? (Who is gonna watch the watchmen?).
Os super-heróis que não se rendem às leis são mortos misteriosamente ou
viram foras-da-lei. A série pula, então, para um misterioso 1985 onde coisas
estranhas começam a acontecer e os antigos super-seres decidem reaparecer para
investigar, gerando revolta e medo na população. Moore ganhou uma série de
prêmios com a história e mostrou que é possível escrever quadrinhos usando
metáforas, referências bibliográficas, músicas, recortes, flashbacks e uma
série de outros recursos inéditos ou pouco explorados até então.
O sucesso da série fez que as editoras de todo o mundo relançassem outra
obra do autor, V for Vendetta (V de Vingança, lançado no Brasil pela Abril em
1990 e pela Via Lettera em 1999). Nesta história, com a qual já havia
conquistado prêmios literários ingleses em 1982 e 83, Moore transforma Londres
em um verdadeiro cenário de 1984, de George Wells, com um governo ditatorial
que não admite sequer meios de cultura como discos e livros antigos, por
considerá-los subversivos.
Com alto teor político, psicológico e cultural, V de Vingança é considerado
uma obra de arte e irritou políticos ingleses como a dama-de-ferro Margaret
Tatcher, que – segundo o autor – inspirou boa parte do cenário de terror da
Londres então “futurista” de 1997. “No governo dela estavam se propondo leis
contra a existência de homossexuais e outras minorias. O futuro que eu contava
na minha história, infelizmente, parecia muito provável naquela época”, conta
Moore.
AFASTAMENTO E VOLTA
O sucesso de Watchmen acabou irritando o autor (“fiquei de saco cheio de
super-heróis como um meio de expressão sério”) – que virou astro pop com
direito a participação no desenho dos Simpsons -e ele decidiu se afastar no
final dos anos 80 de histórias comerciais e de super-heróis. Só em 1993 Moore
voltou à ativa, com roteiros para o personagem Spawn (a cria do inferno) e o
grupo GEN-13.
E mais uma vez não parou mais: entre outros trabalhos vieram From Hell
(baseado na obra Jack The Ripper: The Final Solution, do escritor de terror
Stephen King, que apresenta o médico real Sir William Gull – o homem que
descobriu a anorexia – como sendo o assassino JacK Estripador) e o erótico Lost
Girls, com desenhos da esposa Melinda Gibbs.
Alan detesta, declaradamente, a
idéia de adaptarem suas obras para o cinema e nunca se envolve nas produções.